Por Ana Clara Costa e Milton Gamez
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"Nunca vi muito dinheiro trazer felicidade pra ninguém", escreveu o poeta Vinicius de Moraes. Péssimo na gestão de suas finanças, o diplomata e poeta alcançou a fama, mas não acumulou a fortuna obtida com seus versos. Afinal, de que adiantava ser rico, se o que importava mesmo para Vinicius era estar em um estado constante de paixão? A busca da felicidade é missão árdua quando se tem contas a pagar e não há dinheiro suficiente, ou quando a rotina profissional é estressante e trabalhar se torna um martírio diário. Diante da frustração de não poder ter a vida desejada, muitos certamente já disseram: "Se eu tivesse mais dinheiro, seria bem mais feliz." Seria mesmo?
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O paulistano Roberto Arboleda, 52 anos, achava que sim. Em 2003, depois de encerrar a carreira como gerente de serviços técnicos numa empresa multinacional, ele montou o negócio próprio para continuar trabalhando, ficar rico e curtir mais a vida. Com a esposa e um casal de sócios, abriu um bar em São Paulo, a Casa do Espeto. Um cardápio simples, com espetinhos grelhados e bebidas, num ambiente bucólico e num bairro cada vez mais badalado - a Pompéia - foi a receita para o sucesso. Os sócios ganharam dinheiro como nunca. E quiseram mais. Abriram três novas filiais, contrataram mais de 100 funcionários e fizeram planos para a quinta casa. Ao contrário do que pensava, a fartura financeira não trouxe a felicidade que Arboleda imaginava. "Achava que precisava de muito dinheiro para ter qualidade de vida. Não é bem assim", diz. Estressado de tanto trabalhar dia, noite e fins de semana, o empresário engordou dez quilos. Não tinha tempo para a família e os amigos, tampouco conseguia usufruir da riqueza obtida. Viajar, nem pensar. Comprou um carro zero-quilômetro, mas só usava para ir ao trabalho. As sobras das elevadas retiradas mensais eram aplicadas no banco. Em sessões de análise semanais, ele lamentava os problemas diários e a infelicidade que acompanhava o dinheiro: "O custo da fortuna é muito alto." Ele deixou a sociedade no final de 2005 (a esposa já tinha saído) e abriu o Bar do Parque, sem sócios e com poucos funcionários. "Ficar rico prá quê? E seu tivesse um infarto? Dessa vida nada se leva", justifica.
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Se morasse nos Estados Unidos, ele seria classificado como mais uma vítima da "síndrome da riqueza repentina", que aflige muitos novos ricos. Sim, é verdade: dinheiro demais nem sempre ajuda e, muitas vezes, atrapalha a busca da felicidade. Mas quando a alegria financeira se transforma em tristeza existencial? Os economistas descobriram que a felicidade da população - que eles chamam de bem estar subjetivo - só aumenta até uma determinada faixa de renda. Depois, o país pode ficar até mais rico, mas seus habitantes não se consideram mais felizes. "Até uma renda per capita de US$ 10 mil por ano, a relação entre dinheiro e felicidade é forte. Acima desse nível, fica mais tênue", diz Eduardo Giannetti, autor de Felicidade (Companhia das Letras).
Nos Estados Unidos, as pesquisas indicam um acréscimo de felicidade até a faixa de renda de US$ 20 mil por ano, em média. Depois, ela estaciona e só volta a subir quando a renda ultrapassa US$ 80 mil por ano. Explica-se: na base da pirâmide, as pessoas ficam muito felizes quando conseguem dinheiro suficiente para satisfazer seus desejos elementares. No topo, elas têm recursos para comprar o que querem, ou quase. "Acima de US$ 80 mil, o cidadão é vitorioso e venceu a corrida armamentista do consumo", diz Giannetti. "Nesse sentido, dinheiro traz felicidade." No Brasil, os números indicam fenômeno semelhante. A renda per capita média é menor (R$ 12.436 anuais, ou US$ 6.500) e a concentração de renda, maior. Mesmo sofrendo com serviços básicos precários (moradia, educação, saúde e alimentação), o brasileiro ainda se considera feliz. Segundo pesquisa feita pelo IBOPE em 2006, 55% dos brasileiros, em média, estão muito satisfeitos com seu estilo de vida. No topo da pirâmide social (classes A e B), o índice de satisfação é mais alto: 59%. Na base (D e E), é de 54%. No meio (C), a satisfação é menor: 52%. A classe média, como nos Estados Unidos, é menos feliz.
''O custo da fortuna é muito alto. Ficar rico pra quê? Dessa vida, nada se leva" RICO E INFELIZ: Além de dinheiro, o empresário Arboleda ganhou estresse |
Na faixa de renda intermediária, muitas pessoas são infelizes porque dão mais valor aos bens que não possuem e conferem status social, como uma Ferrari. A lista dos chamados bens posicionais está sempre sendo recriada - tome-se o iPhone, da Apple, o mais novo ícone de consumo. Quem ainda não o possui sente-se infeliz, mesmo que tenha dinheiro. "É um fenômeno perturbador", afirma Giannetti. Quando aliada à realização de desejos materiais, a felicidade é algo matematicamente inalcançável, diz o economista Otto Nogami, do Ibmec-São Paulo. "Por maior que seja a sua capacidade de consumir, sempre haverá novos desejos, pois desejos são infinitos. E qualquer número dividido por infinito, dá zero", explica. Como sair dessa armadilha? "A sociedade atual precisa repensar os seus valores", aconselha Giannetti.
Aos 60 anos, a dona-de-casa de Niterói (RJ), Lígia Vasconcelos, é exemplo de que a felicidade pode existir, mesmo quando o dinheiro é escasso. Abandonada pelo marido, ela caiu em depressão e viveu o alcoolismo. Deu a volta por cima com a ajuda dos filhos e do neto. Hoje, ganha R$ 300 reais por mês vendendo produtos de beleza em domicílio. A vida simples não é sinônimo de tristeza. Lígia cursa a terceira série em um programa de educação para adultos e se considera uma pessoa muito feliz. Já consegue fazer pequenas contas e formar frases. Seu maior desejo? Nada que o dinheiro possa comprar. "O que eu mais quero nessa vida é conseguir escrever um diário", revela, orgulhosa.
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